domingo, 3 de julho de 2011

"Carolina, Carol, Carol, Carolina..."


"Se há algo que possa ser dito ou escrito, não pertencem aos humanos as palavras desse momento... Dor assim dilacera, faz o real parecer coisa inventada. Não há escola que ensine a entender essa lógica da dor. Interrompe o passo e leva o sorriso. Tira a meiguice do mundo para levar para o plano superior, mas a gente ainda precisava do sorriso meigo aqui para nos tornar melhores... Dói e a gente não sabe onde colocar essa dor. Machuca e o bálsamo do tempo não age de imediato. Deixa na gente a sensação de ter dito pouco que a menina Carolina era essencial, de ter declarado pouco o quanto era amada, de ter externado pouco a admiração por ela... Dor assim machuca tanto que a gente não sabe como vai ser o amanhã... E a gente sabe que vai doer bastante até a dor se ajeitar dentro da gente..."

Foram essas as primeiras palavras que o meu coração conseguiu dizer sobre/para a menina Carolina ontem à noite. Essa tradução que a alma pede para o sentimento que habita a todos nós nesse momento exige a palavra mais trabalhada, a estrutura mais rebuscada, a perfeição da letra, porque envolve a beleza da Carolina, mas a dor, essa companheira ingrata, que deu as mãos a nós no sábado, dificultava as escolhas lexicais para o pretendido...
Numa tarefa complicada de falar sobre os sentimentos que imperaram nesse final de semana e numa necessidade urgente de permitir o grito da alma, em meio a questionamentos que todos se fizeram e aos "ses" que as possibilidades impõem, optei por tentar explicar minimamente quem é a Carol que o meu coração retratou ao longo dos anos de convivência. Antecipadamente peço perdão pela incompletude das minhas sentenças e pelas lacunas da minha descrição. Justifico, não é escrita fácil essa do coração...
A primeira imagem é a da meiguice. Saltava no olhar. Estampada no sorriso. Semblante... Uma doçura espiritual que ia além do corpo, ultrapassava feições. Voz, gestos, jeito de andar... Toda delicadeza. Toda mansidão. Tanto especial...
Depois, não há como deixar de falar, a criança vaidosa que foi se transformando em adolescente e dava os primeiros passos da mulher linda... Recordo-me do boné rosa, da boina cinza, rosto todo emuldurado nos complementos com que a criança Carolina se enfeitava... Mais recentemente, nas aulas da tarde, touca de motoqueiro transformado em gorro me fez ver a menina na adolescente e pensar: "Beleza perpetuada jamais se perde. Como ela permanece encantadora..." Pequei nesse dia por não ter externado o quanto ela estava estonteante... Mas ficaram em mim o sorriso e o jeitinho brincalhão quando ela desenrolou a touca cobrindo o rosto e mostrou a língua pelo buraco da peça a alguém que fizera um comentário... E enrolou de novo a lã, com o sorriso posto. São assim marcantes, o olhar e o sorriso. É a imagem que, creio, muitos guardam dela...
Íntima das palavras, Carolina traduzia bem uma alma. O coração, muitas vezes, estava entre o lápis e o papel que recebia seus traçados. Em temas que exigiam a subjetividade dos sentimentos, ela entregava-se em cada palavra, e suas linhas eram ocupadas pela parte mais bela da Carol menina... Percebia-se que os escritos fluíam e o que se tinha era a verdadeira expressão do seu ser.
Carinhosa. Quem não se sentia abraçado em sua presença? Impossível não receber a luz que ela emanava e não sorver da paz que ela doava... Amiga. Não conheço a quem ela tenha destratado. Tal palavra não integrava o dicionário particular que ela conjugava.
Até agora, estou numa briga interna comigo mesma porque me recuso ao verbo no passado. Ela está tão presente dentro de mim, que a minha conjugação está em discordância com o que sinto...
Leveza. Suavidade. Mansidão. Humildade. Alegria. Tudo de bom...
Educação. Bondade. Externava o orgulho da família que lhe ensinara os valores essenciais e que justificavam sua nobreza. A adoração pelos pais era sua maior verdade. O amor pela irmã era sentimento transparente. A família era seu norte, sua bússola, seu "tudo", como ela verbalizava. E, embora digam que heróis e heroínas pertençam à ficção, a Carolina os tinha bem reais. Sua construção como espírito especial estava alicerçada na aliança eterna com Robson, Kátia e Mariana... Família é assim: baldrame que nos edifica para o eterno. E a Carol estava muito firmemente edificada.      
Dedicada. Atenciosa. Era fácil vê-la mostrar o brilho do interior: quando o celular iluminava no seu estojo, anunciando as palavras do namorado, iluminado também ficava o seu coração... Por isso, apaixonada... E como esse namorado tranformava os dias dela... Como ele concretizava em ações o que ela passou a decodificar amor... E ela traduziu de todas as línguas o termo num único vocábulo: amor para a Carol era somente "César"...
A moça Carolina fez a passagem para o plano superior antes que nos sentíssemos preparados para entender a pressa dos seres de luz em tê-la na união plena. O coração da gente ficou assim, meio perplexo, querendo entender o sentimento de desamparo que nos tomou de surpresa, chegou de supetão... Ficamos todos atordoados, sem entender o que não carece de explicação, ficamos todos a espera de que nos prestassem conta da perda momentânea que sofremos por ora. Sabemos que ela está conosco e que nos aguardará com todos os seus atributos que a tornam tão especial... Ela foi antes, muito antes do que a gente queria que fosse (convictamente que a gente nunca sequer pensou que ela fosse). Estamos na fase da negação: "não pode ser", "não é verdade", "não é justo"... Haveremos de caminhar para a fase da aceitação, mas esse percurso é longo, demanda tempo, demanda paciência, e a dor, nossa companheira de agora, é imediatista e sabe torturar nosso espírito. Por mais que pensemos e saibamos que ela está bem, sangraremos pela carteira vazia na classe, pela incompletude dos dias que teremos que enfrentar... Será exigida muita força de cada um de nós. Afinal, em qual disciplina aprendemos que há dores que são implacáveis??? Qual a fórmula que nos garante o resultado exato do cálculo da vida? Mentirosos os dicionários que carregam sinônimos; em nenhum deles encontrei o que conceitua o que estou sentindo. Alguma língua estrangeira traduz esse dilacerar? Quais elementos compõem as lágrimas? Por meus olhos minam uma espécie de água salgada, mas e o que derrama minha alma? A geografia dos mapas não explica a história das vidas que marcam a minha. Não há regra que justifique a interrupção a que fomos submetidos. A gente precisava da Carol por mais um bocado de estações... E os nossos conceitos, regras, fórmulas não nos ajudam agora. Agora, precisaremos uns dos outros... A particularidade de cada um deverá ser somada a do outro para que seja amenizada a falta que sentiremos da moça Carolina nos dias da história que estamos a escrever. Ela concretamente estará em todos os nossos capítulos, existirá em todas as nossas páginas, mas ela deixou o enredo para que nós o construíssemos sem as suas palavras; ficaremos, pois, com os seus modelos.
Que nenhuma vida abandone o paradigma Carolina: a meiguice dela estará perpetuada em cada um de nós... Reproduzamos, assim, o bem que ela nos oportunizava e desejemos, com muita verdade, que a luz dela permaneça a nos guiar...
Eu já estou com muita, mas muita saudade dela...
E as palavras que me ficam no momento são as que o César, a quem a Carol traduziu amor, pediu que ajudássemos que chegassem até o alto: "não aprendi dizer adeus, não sei se vou me acostumar (...), não aprendi dizer adeus, mas tenho que aceitar (...) não aprendi dizer adeus, mas deixo você ir, com lágrimas no olhar". O "nosso inverno" vai sim passar, a gente vai sim aceitar, mas isso não nos isenta da dor desse processo. Amadurecer também é isso: saber onde colocar a dor dentro da gente para não nos machucar todos os dias. Vai doer sim, vai doer muito, porque nossa condição egoísta e humana nos impede de vislumbrar o processo de crescimento pelo qual a Carolina já está passando. Nós é que somos pequenos demais para assimilar tanta oportunidade de crescimento... Vai doer sim, vai doer muito, mas "um dia, amiga, a gente vai se encontrar"... Eu tenho certeza de que esse encontro é certo, belo e real.

Com o coração que "não é maior que o mundo", porque nele não cabem nem as minhas dores, eu compartilho com vocês parte do muito que a "Carolina, Carol, Carol, Carolina" me fez experimentar...
Abraços, com eterno carinho,
Andréa